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Utilisateur:Francisco Rodrigues de Oliveira/Brouillon

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Manuel Rodrigues de Oliveira, anos 50

MANUEL RODRIGUES DE OLIVEIRA (1911 – 1996)

«O homem da Cosmos», como foi retratado na comunicação social por ocasião do seu óbito, era, para além disso, um homem da Resistência antifascista que passou pelas cadeias do Aljube, de Peniche e de Angra do Heroísmo. Foi julgado e condenado num tribunal fascista. Manuel Rodrigues de Oliveira, o editor da Biblioteca Cosmos, ficou na memória daqueles que o conheceram como alguém cujo carácter, saberes e afectos se entreligavam harmoniosamente. «Um homem que fez da sua vida um culto do livro e da arte de imprimir as ideias». Um patriarca sem idade, que dialogava tão à vontade com crianças ou adolescentes, como com adultos ou idosos. A alegria de viver, o prazer de aprender, de ensinar e de conviver, a sábia curiosidade com que interpelava o mundo com um brilho jovem no olhar, não o deixavam passar despercebido, apesar da sua procura de apagamento. O seu único filho, Francisco, zelador da memória de MRO, ordenou e conservou o seu espólio – os livros que editou, que leu e lhe foram oferecidos pelos amigos de sucessivas gerações de intelectuais; alguns papéis amarelecidos pelo tempo e inúmeras fotografias, testemunhos da vida de um homem que lutou, viveu uma longa vida e não se anichou no passado. Creio que morreu fiel aos seus ideais de sempre e não saía sem um livro na mão, mesmo quando já não podia ler.

Foi entrevistado por Ricardo Machaqueiro, para o jornal Expresso, poucos anos antes da sua morte. O historiador Pedro Pereira Leite estudou a Biblioteca Cosmos e realizou entrevistas com familiares e amigos de Manuel Rodrigues de Oliveira, já depois do seu desaparecimento. Caminhámos por aí para confirmar e recolher os dados biográficos que vos deixamos.

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1. Nasceu em Lisboa a 23 de Março de 1911, quando a família tinha acabado de chegar de Constância, no Ribatejo, em busca de melhores condições de vida. Seus pais haviam rumado à capital recém republicana e ficado instalados em casa de familiares, enquanto davam início à sua nova vida. A vida dos Rodrigues de Oliveira estabeleceu-se, assim, desde 1915, no bairro de Campo de Ourique (já em expansão), na Rua 4 de Infantaria. O pai, marceneiro de profissão e republicano por convicção, encontrou emprego numa oficina de carpintaria, frequentava o Centro Republicano de Campo de Ourique e matriculara-se no curso nocturno da Escola Machado de Castro que concluiu. Três anos depois, Francisco Rodrigues de Oliveira (o pai) foi preso e acusado de conspiração, durante a presidência de Sidónio Pais. Encarcerado no forte de S. Julião da Barra, a família Rodrigues de Oliveira recebe ordem de despejo da casa onde vivia. Após a sua libertação, mudam-se para a casa de uma familiar, na Rua Ferreira Borges, também no Bairro de Campo de Ourique e é nessa casa que Manuel vai crescer e tornar-se adulto.

Manuel Rodrigues de Oliveira, nessa época, jogava futebol no CACO (Clube Atlético de Campo de Ourique) e no Sporting Clube de Portugal; estudava no liceu Passos Manuel (Lisboa) e tinha como professor José Lopes D'Oliveira ("o pai Lopes", como era conhecido entre os alunos), uma figura de referência na formação de MRO. Mais tarde, uma das suas primeiras iniciativas como editor iria ser a publicação das suas memórias: « Rema Sempre» (OLIVEIRA, 1940). O interesse de Manuel pelas letras revelou-se cedo: aos doze anos, com os amigos chegados, fez um jornal. Redigiam-no juntos e ele comprava letras para o compor e fazia-o circular entre os jovens futebolistas. Nasceu então a amizade com Manuel da Fonseca e Cândido de Oliveira. Esse gosto pela letra impressa levou-o, em 1928, a entrar para O Século, onde, com Cândido de Oliveira, efectuava reportagens. Este “cobria” o futebol, Manuel ficava com os as outras actividades desportivas: os chamados "desportos pobres". Os laços de cumplicidade entre Manuel e Cândido alargaram-se ao campo político, onde ambos viriam a sofrer a perseguição do fascismo de Salazar. Durante a prisão de Manuel, Cândido enviava regularmente ao amigo uma contribuição financeira que lhe atenuava a dureza dos "curros" do Aljube.

2. No final dos anos vinte, nos meios operários de Lisboa, e em particular no sector dos gráficos, acentuava-se a agitação revolucionária. O Partido Comunista, organizado sob a direcção do operário arsenalista Bento Gonçalves, aproveitara a decadência das organizações anarquistas e dos sindicatos, enfraquecidas pela repressão política que se seguiu à vitória da "ditadura nacional" em 28 de Maio de 1926, para assumir a vanguarda do combate operário. Manuel Rodrigues adere às juventudes comunistas em 1929.

Em 1931, vem a ser secretário da organização do comité local de Lisboa e, mais tarde, integra o secretariado do Comité Central. Em 1933, Bento Gonçalves indica-o para Secretário Político das Juventudes Comunistas.

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A sua prisão, em Abril de 1934, na rescaldo da revolta do 18 de Janeiro do mesmo ano, e que assumiu particular relevância na Marinha Grande, apanhou de surpresa os seus colegas de redacção. Dos curros do Aljube foi transferido para o Forte de Peniche. Em Outubro desse ano, é presente ao Tribunal Militar Especial e condenado a 16 meses de cadeia. No Forte de Peniche, onde se encontrava em 1935, é implicado na "revolta dos presos" e deportado para a Fortaleza de Angra do Heroísmo, nos Açores. Em 1936, Manuel Rodrigues de Oliveira é libertado e regressa a Lisboa. Sérgio Vilarigues, dirigente do PCP, que acompanhou MRO no Aljube e em Peniche e que com ele seguiu no Carvalho de Araújo para Angra, testemunha: "Aquilo em Peniche não foi bem uma revolta. Quem costumava fazer as limpezas das celas eram os soldados e a certa altura quiseram que fossemos nós, os presos, a fazê-las. Nós recusámos. A coisa azedou, e a 8 de Junho lá fomos para Angra”.

Na prisão de Angra do Heroísmo, Manuel manteve frequentes conversas com Bento Gonçalves (que também aí se encontrava, após a sua segunda prisão em 1935, e antes da deportação para o Tarrafal). É a essas conversas, ocorridas entre Dezembro de 1935 e Fevereiro de 1936, que Manuel Rodrigues de Oliveira atribui a gestação da sua futura editora. "Houve dois Bentos importantes na minha vida, ambos cruciais no percurso da Cosmos: um foi o Bento Gonçalves, o outro o Bento de Jesus Caraça. O primeiro entusiasmou-me a fazer uma editora, o segundo foi o obreiro empenhado que lhe deu forma".

3. Em liberdade, Manuel Rodrigues regressa ao jornalismo, e trabalha como correspondente numa revista do Rio de Janeiro, colabora nos jornais "O República" e "O Diário de Lisboa", convive com republicanos libertários e antarco-sindicalistas como Pinto Quartim e Artur Inês. Só dois anos depois, em 1938, Manuel Rodrigues de Oliveira irá concretizar a sua missão editorial. Aceita a proposta de se associar a dois antigos colegas de "O Século", João de Almeida Júnior e António Duarte Costa.

"Havia um colega meu dos tempos de “O Século” que era proprietário das Edições Cosmos, e que estava falido. Propôs-me sociedade e eu aceitei. Eles editavam coisas sobre Africa, os Cadernos Coloniais, que entretanto acabaram. Um era jornalista, o outro contabilista e eram proprietários da Sociedade Tipográfica Editorial e das Edições Cosmos”. Foi assim que, em 1939, MRO se lança como director editorial. Tinha vinte e oito anos.

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4. A vida de Manuel Rodrigues de Oliveira passará a estar, desde aí, indissoluvelmente ligada às Edições Cosmos, ou à «Cosmos» – como passará a ser conhecida nos meios bibliófilos. Em 1940 inicia a colaboração com Bento de Jesus Caraça que conduzirá à concretização da "Biblioteca Cosmos" entre 1941 e 1948. Nascia assim aquela que iria ser uma das mais prestigiadas e influentes colecções de divulgação (publicações numeradas), durante o fascismo.

Manuel Rodrigues «acreditou que através do verbo os seus semelhantes cultivariam a mente, fonte do humanismo. Dele brotariam as ideias que, com as ferramentas dadas pelos livros, se transformariam em acções empreendedoras do culto da liberdade, da igualdade e da fraternidade. Sonhou com a transformação das vidas dos homens através da publicação do livro. Sonhou com a génese de um mundo melhor, mais justo, feito de homens íntegros, livres e iguais». Manuel Rodrigues adaptou o seu mundo e os livros que editou à sua maneira de ser e de estar. Por exemplo, a impressão das cores do arco-íris, na lombada de algumas das suas colecções de divulgação cultural, tem uma razão de ser, é uma ordenação simbólica do saber: todo o conhecimento provem da mesma fonte/ cada ramo do saber é uma forma de abordagem da totalidade/ numa alegoria ao universo que o próprio termo Cosmos transporta.

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Cosmos significa o Universo ou o Mundo: «Rodrigues de Oliveira pega na sua editora e coloca-a ao serviço de um caminho para um novo Mundo, ou pelo menos na esperança de um outro mundo. De um mundo sem injustiças e só de homens livres. Um mundo em que a ciência é feita pelo homem, para ajudar o homem a tornar-se senhor dos seus destinos, sem grilhetas e sem amarras». Foi essa crença no Homem que norteou os rumos da sua acção editorial. Essa visão (missionária) de que o homem se constrói a si mesmo é um elemento fundamental para compreender o rumo da editora. Pela sua mão, a «Cosmos» transforma-se numa escola enciclopédica do conhecimento e num dos projectos mais interessantes da vida editorial portuguesa do século XX.

Durante a administração de Manuel Rodrigues de Oliveira as Edições Cosmos publicam poucos livros, comparativamente com outras editoras suas contemporâneas. Mas os livros chegavam às mãos dos leitores para lhes revelarem intelectuais de primeira água, na abordagem simples mas rigorosa de temas diversificados e de grande actualidade. Tornar-se-ão uma referência na vida editorial portuguesa do nosso século e influenciarão de forma decisiva a acessibilidade dos leitores portugueses à renovação do pensamento. Todos os textos publicados são textos aprimorados, quer do ponto de vista do texto, quer do ponto de vista gráfico. Qualidade de impressão que varia de acordo com o tipo de edição e com o público destinatário, mas todas elas profundamente íntegras enquanto obras editoriais. Os caracteres Garamond, os seus preferidos, enchiam cada livro da Cosmos, a quem Manuel Rodrigues tratava com um carinho de pai.

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5. Na década de 50, Rodrigues de Oliveira edita, escreve em jornais e viaja. Em 1954 vai ao Rio de Janeiro onde permanece por alguns meses. Em 1958 a Paris. Itália, Inglaterra, Alemanha eram destinos frequentes. Em todos os locais, onde se encontrava com os exilados portugueses, a cumplicidade antifascista era partilhada em clima de festa. Busca novos autores e velhos amigos. Contacta com Magalhães Vilhena, Maria Lamas e Magalhães Godinho, entre outros. Conhece o que se passa do lado de lá dos Pireneus e edita, do lado de cá, com a esperança de que um dia a vida seja como lá: em liberdade.

As décadas seguintes são dedicadas à edição e à vida. Em 1965 edita, na sua Cosmos, as «Esquinas do mundo», um conjunto de crónicas de viagens em que mostra a forma como olha para a Europa. Será o único livro que publicará. Na década de 40, ainda jovem, teve um casamento entrelaçado com a editora, sem lhe dar grande espaço. Em 1964 conheceu a sua segunda mulher, de quem teve, com 54 anos, o seu único filho, a quem deu o nome do Avô. Francisco iria constituir, até ao fim da sua vida, o segundo grande projecto a que se dedicava. «As Esquinas do Mundo» terá sido uma comemoração do seu nascimento.

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A ligação entre o livro e a tertúlia cultural marcou a vida de Manuel Rodrigues. Durante anos frequentou o restaurante "Cooperativa dos Trabalhadores de Portugal", nas escadinhas do Duque, em Lisboa. Depois de 1974 são memoráveis os seus almoços no restaurante "Os Anarquistas", no Bairro Alto, onde é recordado como o patriarca. Depois do almoço, a tertúlia não falhava, prosseguia em animada discussão sobre tudo o que vinha à conversa: notícias, novidades e bom humor davam sempre lugar ao romance, ao conto, ao poema, ao guião, ao fólio ou à tela. A inspiração brotava à volta dessas mesas, segundo as memórias da época.

Manuel Rodrigues complementava a edição de obras com a participação em actividades de criação cultural, que germinavam no Bairro Alto.

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6. «A Revolução dos Cravos permitira ampliar o universo da edição. Livre da censura, que de resto parece nunca ter afectado os projectos editoriais da Cosmos, Manuel Rodrigues de Oliveira poderia ter editado muito mais. Permaneceu fiel a si próprio e às suas ideias. Recusou a proposta de colocação da editora ao serviço do Partido Comunista e quis continuar no mundo da edição da mesma forma que nele estivera nos anos quarenta. Porém, mau administrador de recursos, vivia o dia a dia, procurando em cada dia a perfeição da edição. Confiava que o génio da perfeição seria vitorioso sobre o poder do dinheiro. Sabia que um bom livro é eterno, atemporal. Mas não contou com a roda do tempo que ia lentamente, inexoravelmente, acelerando. A voragem dos mercadores de livros inundava todos os dias a prateleiras das livrarias. Tudo se publicava, tudo era para publicar. O público, a quem cabia seleccionar a qualidade, não sabia escolher. Poucos eram os que sabiam escolher um livro. Os que sabiam ver o seu valor. As obras demoravam anos a vender-se, o preço mantinha-se o mesmo. A falta de dinheiro, com o tempo, tornou-se crónica.

Uma Cosmos sem recursos financeiros para se relançar num mercado em franca aceleração, e, sobretudo sem uma real vontade para tal, conduziram a uma decadência da editora. Sem força para tal rejuvenescimento, Manuel Rodrigues, tolhido por muitos desgastes, pelos anos de vida e pelas amarguras dos outros, abandona a sua Cosmos a partir do início dos anos noventa. Mais por vontade alheia do que por vontade própria. Em 10 Julho de 1996 encontrou a paz dos justos na memória do Cosmos.»

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Biografia escrita para a página do facebook Antifascistas da Resistência, por Helena Pato, com dados biográficos e excertos de: - Mercadores de Letras 25. Pedro Pereira Leite, Marca D´Água, 2009.

- Entrevista de MRO a Ricardo Machaqueiro, no Jornal Expresso.

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